Muitas fotos, pouca memória
- mouralarissax
- 10 de fev.
- 2 min de leitura
Há algum tempo, li uma matéria da BBC intitulada "Tirar fotos demais pode prejudicar a memória". O argumento era simples, mas provocador: ao delegarmos à câmera do celular o papel de registrar momentos, estamos, de certa forma, terceirizando também nossa capacidade de lembrar. E não é só a memória que sofre; até a coordenação motora fina pode ser afetada. Muitos estudantes já não se preocupam em fazer anotações à mão, preferindo sacar o celular e fotografar o quadro ou slides que talvez nunca mais consultem.
Sabe aquela música que você ouviu, gostou, mas não consegue lembrar o nome? Nada de passar dias remoendo, tentando resgatar a melodia da memória—o Shazam resolve isso em segundos. Estamos nos acostumando a não lembrar.
Ontem, enquanto navegava pelo Instagram, vi a foto de um casal em um show e percebi que também estive lá. Fui procurar as fotos desse evento e, para minha surpresa, não encontrei nenhuma. O show era da cantora islandesa Björk, e lembro que, logo no início, havia um aviso:
"Recomendamos que você desfrute deste show da Björk! Por isso, pedimos gentilmente que evite tirar fotos ou gravar vídeos. Isso pode ser uma distração para ela e para as pessoas ao redor, prejudicando a apresentação".
Eu segui a recomendação. Confiei na memória. E foi ela que me levou de volta, não apenas ao show, mas à adolescência, quando ouvia Björk para me concentrar nos estudos. Lembrei do e-mail "allneon-like" que criei inspirado em uma de suas músicas. Um portal de lembranças se abriu.
Outra matéria, desta vez da Vice, discutia como "As redes sociais estão estragando nossa memória", abordando o chamado "efeito de enfraquecimento por tirada de foto". É como se tirar uma foto fosse uma forma de procrastinação da lembrança: registramos para consultar depois, mas raramente o fazemos. E se perdermos o dispositivo? Junto com ele, desaparecem nossas memórias.
Mesmo com o backup na nuvem, o hábito de registrar tudo pode comprometer nossa atenção. Deixamos de viver o presente para focar em capturar um momento que talvez nunca revisitaremos. O paradoxo é o seguinte: quanto mais nos preocupamos em preservar o momento, menos o vivemos de fato.
E, no fim, as memórias parecem ter prazo de validade. Com a ascensão do formato stories, as lembranças se tornam descartáveis e temporárias. Passadas 24 horas, o registro desaparece. Terceirizamos o olhar, a memória, a percepção. E, nesse processo, o que realmente fica é o que decidimos viver, não apenas registrar.
Registrar é importante, fotografar também, o que se reflete aqui é sobre o excesso e a terceirização das funções neuropsicológicas para os dispositivos.
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